25/04/12

Miguel Portas (1958 - 2012)

Conheci o Miguel Portas, teria 12, 13 anos, ele 14 ou 15. Era a primeira reunião clandestina em que eu participava, apesar de a mesma decorrer a céu aberto, nas traseiras da estação de comboios de São João do Estoril, num pequeno jardim hoje cimentado e do qual sobrará talvez uma árvore ou duas. Tratava-se de uma reunião do MAEESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário). Tinha vindo gente de outras escolas (os putos dirigentes), e Miguel Portas era um deles. 
O debate foi acirrado, e o assunto, quase de Estado: abaixo-assinado ou greve. O Miguel, já então na UEC, defendia, naturalmente, a posição menos radical. Eu, que nasci com mau feitio, fiquei convencida com a greve. Devo ter dito, entretanto, qualquer coisa que lhe despertou a expectativa de um recrutamento em potência, razão que encontro para, no final da reunião, me ter perguntado se podia falar comigo à parte. Lembro-me de lhe ter respondido, do alto das minhas firmes e precoces convicções: “Podes, mas não julgues que me convences”. 
Não me convenceu. Nunca estive próxima dos UECs; na realidade, não os gramava nem com molho de tomate. Dele gostava. Sempre achei que possuía algo que, mesmo situando-me eu à extrema-esquerda, nunca pensei que fosse dispensável: era civilizado e democrata. Não imagino como seria visto de mais perto, mas costumo ter olho e quase nunca me enganar nas primeiras impressões. No meio da muita histeria que tomávamos então por princípios inalienáveis, o Miguel discursava e não agredia, discordava e não insultava. Mais tarde, já crescidinhos, cruzei-me com ele algumas vezes. Sempre o achei igual. Bonito, cordato, bon vivant, voz arranhada e sorriso nervoso. Sei que morreu. A morte é uma grandessíssima filha da puta.     

9 comentários:

sem-se-ver disse...

é.

henedina disse...

"discursava e não agredia, discordava e não insultava." Concordo. Lamento muito a morte dele. Os que lhe são mais próximos que tenham algum conforto por isso que disse ser unânime.
Não gosto de homens consensuais e ele não era consensual mas apesar de não o conhecer parecia sempre que conseguiria levar ao consenso.
(soube pela televisão que foi preso aos 15 anos!!).

Ana Cristina Leonardo disse...

Foi preso ele, mais cerca de uma centena de putos que estavam reunidos em Medicina numa Assembleia Geral do MAAESL. Quando voltaram aos liceus, vinham os rapazes todos de cabeça rapada. As raparigas, sem sinais exteriores. Ás vezes, dá jeito ser rapariga.

AnaLu disse...

grande texto.

F disse...

Tenho pena. Tenho mesmo muita pena. Gostava muito dele, da sua integridade, do seu civismo. Não o conheci pessoalmente mas cativou-me há muito. Parecia-me uma pessoa muito sensata.
Tenho muita pena. Vou ter saudades.

luis reis disse...

Mais um Homem bom nos deixou.Soco no estômago...dass!!!!!

m.a.g. disse...

São raros os íntegros que estoica e abnegadamente não cedem ao oportunismo.
São raros os que colocam a inteligência acima da imbecil indigência.
São raros os de solidariedade incondicional.
São raros os que sabem serenamente incomodar.
São raros os de simpatia contagiante no meio da hipocrísia.
E por serem raros partem injustamente depressa.

Desconhecido Alfacinha disse...

Senhora,

" A morte é uma grandessíssima filha da puta."

A mim o que me revolta é haver por ai tantos filhos da puta carregadinhos de saúde...

Obrigado pelo excelente Post

Respeitosos cumprimentos,

Táxi Pluvioso disse...

São João do Estoril, sim.