01/03/12

A book a day keeps the doctor away: "Contos Escolhidos", Isaac Babel

Os livros é como tudo: há maus, medíocres, sofríveis, bons e excelentes. Contos Escolhidos, Isaac Babel (1894-1940), pertence à última categoria.
Apesar do título que, dir-se-ia, deixa muita coisa de fora, a obra do russo foi curta no género – preferiu o conto – e na quantidade.
Uma das filhas, Nathalie Babel, organizou-a postumamente e, em 2002, As Obras Completas de Isaac Babel surgiram em inglês traduzidas do russo por Peter Constantine, reunindo cronologia e notas, uma introdução da norte-americana Cynthia Ozick e prefácio da própria filha. No total, 1072 páginas, incluindo prosa memorialista e argumento para filme nunca realizado. Número suficiente para um escritor de quem se diz ter dito que, ao contrário de Tolstoi, capaz de narrar ao minuto os acontecimentos do dia, preferia ir directo ao assunto e atacar logo os cinco minutos principais.
Alguns amantes de Babel (entre os quais Jorge Luis Borges, e o brasileiro Rubem Fonseca que andou com ele ao colo em Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos) aguardarão ainda a descoberta de inéditos. A vida aventureira e, finalmente, trágica do escritor permite pensar assim.
Nascido em Odessa no seio de uma família judaica, numa altura em que os pogroms serviam ainda de inspiração ao humor de Sholem Aleichem (escritor que, aliás, Babel traduziu do iídiche para russo), muda-se para São Petersburgo onde abraça a causa bolchevique e encontra o seu mentor, Máximo Gorgi. A morte deste último em 1936 alia-se à praga do “realismo socialista” a que acresce a paranóia estalinista. Babel é preso em 1939, acusado de traição, sujeito a tortura e executado. Os seus manuscritos são confiscados e o seu nome banido. Décadas antes, em 1934, durante o Congresso da União de Escritores Soviéticos, gracejara sobre a sua condição de escritor sob suspeita, comentando que estava a tornar-se «num mestre de um novo género literário, o género do silêncio”.
Contos Escolhidos reúne textos subtraídos, sobretudo, a Exército de Cavalaria e Contos de Odessa traduzidos do russo por Nailia Baldé que também assina a Nota Introdutória (Contos de Odessa tem duas edições anteriores ao 25 de Abril e uma outra da Dinossauro de 2005, e, sob o título, Cavalaria Vermelha, existem duas de 1976).
Como escreveu a escritora e crítica britânica Margaret Drabble (“The Guardian”, 11/05/2002) a obra de Babel “cheira a guerra e cavalos, cebolas e arenques, fome e sangue”. A escrita fragmentária, paradoxal, na qual a comicidade casa com a crueldade, sai reforçada por associações surpreendentes, incoerências, repetições, construções em elipse. Regada com um humor mordaz e colorido, é uma escrita telúrica (e, nesse sentido, bem russa) que tanto nos horroriza como nos faz soltar gargalhadas.
A prosa é precisa (o “mot juste” espreita todos os parágrafos acompanhado, embora, de inventiva linguagem), transmitindo uma espécie de nonchalance que a aproxima do puro jogo. Os retratos pícaros das personagens de Odessa, com os seus bandidos, contrabandistas e casamenteiros (“Contos de Odessa”), os relatos da frente de batalha, sanguinários, desesperados e, ainda assim, cómicos (“Exército de Cavalaria”), e o tom vagamente nostálgico das histórias mais pessoais (“Contos Dispersos”), comprovam um grandessíssimo escritor.
Banido, maldito e obrigatório.
Isaac Babel, Contos Escolhidos, Relógio D'Água, 2012, tradução de Nailia Baldé

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