02/04/11

Ser rico não é tudo

Vamos chamar-lhe distracção e evitar o tema embaraçoso da miopia galopante.
Quero eu dizer: só agora reparei que a página do jornal "Expresso" onde publico semanalmente uma colunazinha se chama “três pastorinhos”.
Ora bem: não tendo já idade para poder ser incluída no grupo dos videntes, e apartada ainda da longevidade de Lúcia, restar-me-ia, pensei, tão-só a Nossa Senhora, a propósito da qual Desmond Tutu, provando que o humor nem sempre é contrário à fé, contou a seguinte anedota: “José aproxima-se, aflito, do estalajadeiro: ‘Por favor! Acuda! A minha mulher vai ter um bebé’. O homem, impassível, limita-se a encolher os ombros: ‘Desculpe, mas a culpa não é minha’, e é então que José lhe responde: ‘Minha também não!’
Jorge de Burgos, o bibliotecário cego de Eco, teria excomungado Tutu e decerto um amigo meu que há anos imaginou esta história:
Estavam três pastorinhos a pastorear muito sossegadinhos em Fátima quando, de súbito, avistam Nossa Senhora em cima de uma azinheira. Estupefactos, mantêm-se mudos e quedos até que um deles, mais afoito, lança à aparecida a tirada do Garrett: “Quem és tu?” A senhora, sem se deixar intimidar pelos clássicos, responde: “Sou a Nossa Senhora e venho trazer a verdade ao mundo”. E é então que a pastorinha comenta: “Outra marxista!”
Vinha isto a propósito da minha distracção, facto que em nada contradita que andemos precisados de milagres.
Não se afigura fácil, claro, por causa dos PECs, mas também porque um estudo qualquer de Dallas diz que a religião poderá extinguir-se em breve, pelo menos em nove países ricos. Dallas vale o que vale, mas uma coisa nos aquieta: não estamos incluídos.
Assim sendo, que venha a nós o milagre das rosas pelo avesso ou, em alternativa, a descoberta de petróleo em Alcobaça. Ai, Deus, e u é?, perguntam-se os técnicos da Mohave cerca de 700 anos após D. Dinis ter escrito “Ai, flores, ai, flores do verde pino”.
E que a rainha Santa Isabel os pastoreie que, parafraseando o Pessoa, cognome Álvaro de Campos, o que há [em nós] é sobretudo cansaço.

3 comentários:

sem-se-ver disse...

muito bom, Ana Cristina.

(e a anedota da nª srª fátima é genial!)

fallorca disse...

«parafraseando o Pessoa, cognome Álvaro de Campos»
Ainda acabas na Causa Real, fiufiu...

Ana Cristina Leonardo disse...

sem-se-ver, muito obrigada!
Fallorca, deixa estar que com o Dom Duarte tb. iamos longe...