24/08/09

Pessoas de quem eu gosto: Catarina Barros

Encontrando-se o leitor deste post em Lisboa, no Largo do Rato, de costas para o Tejo e alinhado em esquadria com a Rua da Escola Politécnica, verá à sua frente uma estação de Correios, na esquina com a São Filipe Nery. Subindo por essa rua, do lado esquerdo, chegará depressa ao número 25B, um edifício estreito de rés-do-chão e primeiro andar onde Catarina Barros passa a maior parte dos dias.
Há quase dois anos que é este o seu destino diário. Chega de manhã, fica até ao entardecer, às vezes noite dentro, seis dias por semana, doze meses por ano. Na “Trama”. Nome de livraria. Nome de um projecto que Catarina, 25 anos, apostou em concretizar, ao arrepio do derrotismo e cansaço que, diz, parecem caracterizar precocemente a sua geração.
A “Trama” abriu portas a 30 de Novembro de 2007. Muito antes disso, já os livros enchiam a vida e o imaginário desta jovem que um dia decidiu trocar um emprego seguro na indústria farmacêutica pela aventura livreira (não livresca).
Talvez o gosto lhe venha da avó. É uma hipótese. Não tem explicações definitivas. Lá de trás chega-lhe, isso é certo, a imagem dela a ler “A Pousada da Jamaica” durante umas férias de Verão no Carvoeiro, enquanto Catarina e o avô iam andando para a praia. Ainda hoje continua a chamar “Esplanada Jamaica” ao café onde a avó se deixava ficar sentada, a folhear o romance de Daphne du Maurier indiferente ao apelo das águas algarvias. Ela própria era fã da Colecção Dois Mundos, da Livros do Brasil. Começou no número um, “O Livro de San Michele”; o último não se recorda.
“Os livros têm imagens e levam-me a lugares onde nunca chegaria sem eles”; talvez por isso, quando sai de casa, traga sempre mais de um dentro na mala, para o que der e vier. Em Julho, quando falei com ela, andava às voltas com a “Obra Completa” do Nuno Bragança, “Porque é que a Vida Acelera à Medida que se Envelhece” e o “Breves Notas Sobre as Ligações”, do Gonçalo M. Tavares. Poesia lê aos bocadinhos. Em modo saltitante. Quatro ou cinco poemas por dia, de autores vários.
Está sentada no primeiro andar da “Trama”, junto à máquina de café (que também se pode tomar aqui), pernas entrelaçadas sobre o pequeno sofá, e vai alisando os cabelos com as mãos. Fala devagar: “Penso melhor quando escrevo”. Aproveito a deixa involuntária: “Também escreves?” Hesita. “Para mim a escrita é tão importante como a leitura e há dias em que não leio. Mas escrevo todos os dias”. Fica registado.
Saiu de casa aos 17 anos. Enquanto acabava o liceu, ia trabalhando por aqui e por ali. Um dia passou em frente à “Clepsidra” de Massamá e viu que havia uma vaga: “Era o sonho da minha vida! Escrevi a carta de apresentação mais lamechas do mundo e implorei o lugar na livraria”. Deram-lhe o lugar. Ficou por lá algum tempo, depois saiu por motivos alheios aos livros; o tempo de ter como colega Ricardo Ribeiro, seu futuro sócio na “Trama”.
Inscreveu-se na Faculdade, em Estudos Portugueses, mas, quando engravidou e teve um filho, a realidade pesou mais e abandonou o curso. O emprego de secretária que conseguiu, entretanto, não era mau; Catarina, contudo, definhava. Com Ricardo, e lido um poema de Borges de título homónimo, atira-se de cabeça ao projecto de fundar a “Trama”, um espaço que fosse seu.
Estão juntos nisto há dois anos e, apesar do período tramado que se vive, com a crise e tal…, nunca se arrependeu: “Mesmo que não dê certo no futuro, faria tudo de novo. Pelo bem que nos tem feito; a mim, ao Ricardo e a uma data de pessoas”. A uma data de pessoas que aqui vem pelos livros, pelos concertos, pelas sessões de cinema e de poesia, conversas, lançamentos, tertúlias.
Resumindo é isto: “Aos 23 anos, quando comecei, tinha medo que a minha ignorância pudesse prejudicar a livraria. Nada disso aconteceu. O meu mundo cresceu, fiz amigos, descobri autores… Sinto que este é um projecto fértil, que estamos a criar coisas novas.”
Encontrando-se o leitor deste post em Lisboa, no Largo do Rato, basta-lhe, pois, subir a Filipe Nery e perguntar por ela. Catarina Barros. Amante de livros. Ao seu serviço. E deles, claro.
A fotografia foi roubada daqui.

3 comentários:

fallorca disse...

E onde gostamos de nos ver

Rui Gonçalves disse...

Um belíssimo exemplo.

Guidinha Pinto disse...

Se eu tivesse oportunidade, dava lá um salto, só para conhecer esse mundo.