26/02/09

Et encore du Courbet ― desta vez lembrando o cariz quase libertário e sem limites e tal... bom, o melhor é lerem

Detecto muito de hipocrisia e de oportunismo em algumas das indignações, de cariz quase libertário, que por aí emergiram em face da decisão de mandar recolher, da venda indiscriminada ao público, exemplares de uma obra que, ao que li na imprensa, se apresentava na capa com uma famosa, bela e impúdica pintura de Courbet (coloquem a palavra "Courbet" no Google Images e logo a verão).
A esses espíritos tão sensíveis à preservação, sem limites, do direito de expor em todas as dimensões públicas e privadas, independentemente da idade dos que a elas têm acesso, todo o tipo de obras de arte, eu gostaria de perguntar se acaso têm sobre a mesa da sua sala, à vista das crianças da casa, os albuns desse fotógrafo de eleição que é Mapplehorpe. Ou se considerariam natural se certos poemas conhecidos de Bocage ou de António Botto fizessem parte das leituras postas à disposição dos seus jovens filhos.
Por princípio, não é muito saudável ver os poderes públicos arvorarem-se em juízes do que alguém pode ou não ver. Em regra, tudo deve estar acessível a todos e também começa a ser óbvio que o conceito daquilo que possa ser uma imagem chocante tem vindo a variar ao longo dos anos - com impacto nos critérios do seu acesso a determinadas faixas etárias.
Mas sejamos honestos: neste caso do quadro de Courbet, a questão não é do domínio da censura, mas apenas de mero bom-senso.
Francisco Seixas da Costa [embaixador em Paris (os bolds no texto são meus)]


Lido aqui. O que só reforça o bom senso do que se escreve neste aqui anteriormente linkado, e que já agora reproduzo e não se fala mais disto. Quero eu dizer, da defesa intransigente da liberdade de expressão.


Ainda a propósito da apreensão de alguns exemplares do livro Pornocracia, Eduardo Pitta faz uma leitura pertinente do «acontecimento», citando alguns artistas «malditos», ainda hoje censurados nos circuitos mais «cultos» por essa Europa fora. (João Pinto e Castro, com mais economia de palavras, levanta a mesma questão nestes termos: quem foi a luminária que decidiu que, lá por uma coisa ser arte, não pode ser também pornografia?) Mas, se me permitem, a questão não reside aí onde a colocaram. A questão tem a ver com a liberdade de expressão e as competências para a sua regulação em caso de conflito com outros interesses jurídicos ou socialmente relevantes. A liberdade de expressão, como pilar fundamental das democracias, não pode ser entregue ao arbítrio das «mães de Bragança» e da polícia. O que se passou na feira do livro de Braga é o mesmo que uma «mãe de Bragança» entrar numa galeria de arte onde se expõem telas de nus masculinos e femininos e ir a correr para a esquadra da polícia mais próxima pedir para encerrar a galeria. E a polícia agir de imediato. E depois dos livros e das galerias, acabávamos por chegar ao cinema, ao teatro e por aí fora. Outra coisa diferente é um galerista, um museu ou um editor se recusar a expor ou a publicar esta ou aquela obra, este ou aquele artista. Ainda bem que a uma só voz se defende a liberdade de expressão, contra arbitrariedades, mesmo quando a arte se «confunde» com pornografia.
Tomás Vasques (os bolds são meus)

3 comentários:

Anónimo disse...

sabia que o quadro estava até há poucos anos na casa do Jacques Lacan, que o tinha comprado um pouco às escondidas? Ninguém fala disso, da história bizarra desta quadro!

Ana Cristina Leonardo disse...

estava até há poucos anos na casa do Jacques Lacan

não posso com o Lacan!

Táxi Pluvioso disse...

Exponham sexos masculinos e os lusos não se indignam. Até gostam. Eu não os chamaria libertários...