28/02/08

Isto anda tudo ligado* ou, em alternativa, «Ils n'ont pas de pain? Qu'ils mangent de la brioche»

Carlos Alberto Santos, da Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (uff!) considera que a responsabilidade pelo aumento de 50% do pão reside, em grande parte, na especulação bolsista: «Com o problema no mercado imobiliário norte-americano, os investidores começaram a apostar nas matérias-primasA isto chamaria eu a volta ao mundo de uma carcaça em muito menos de 80 dias; a não ser que Carlos Alberto também esteja a especular... só um bocadinho?
* título de um livro de poesia de Eduardo Guerra Carneiro publicado em 1970

26/02/08

A West Coast à conquista de Paris ou: Há tipos com uma sorte do caraças. Chegam aos sítios e dão logo com as coisas

A razão do título deste post está na seguinte notícia: o ministro da Economia, Manuel Pinho, entrou este sábado numa loja de Paris, ouviu franceses a falarem de estilistas portugueses, e declarou-se convicto de que a moda está a ajudar a mudar a imagem de Portugal além-fronteiras. (...) Foi nas compras (...) que Manuel Pinho ouviu franceses falarem «espontaneamente dos criadores de moda portugueses».
Longe de mim duvidar da palavra de um Ministro, mas não terá Manuel Pinho feito confusão com os nomes? Por exemplo, alguém falou em Alberta (de Ferretti) e ele percebeu Fátima (de Lopes) [isto em pronúncia francesa (leia-se alberrtá e fatimá), e com toda a gente aos gritos a atirar-se ao último saco da Prada é bem possível de acontecer]; ou então alguma parisiense que exclamou «J'adore tout ce qui est Gaultier» e, no seu desejo inconsciente de ser amado, Manuel Pinho ouviu «J'adore tout ce qui est portugais».
E perguntarão agora os eventuais leitores deste post: «Mas se o Ministro, ficámos a saber, é fã confesso da moda nacional, porque é que foi a Paris às compras?»
Não sejam maldosos. As compras foram apenas um desvio recreativo. Manuel Pinho foi a Paris trabalhar. A saber: assistir ao desfile de Fátima Lopes organizado pelo Portugal Fashion (associação subsidiada, entre outros, pelo ICEP), no âmbito da Semana de Prêt-à-Porter Paris, e divulgar, já que lá estava, suponho, o «Portugal Europe's West Coast».
Em boa hora o fez. Sentado no desfile da amiga, Paulo Coelho, o brasileiro alquimista, rendeu-se à campanha e, dizem, prometeu divulgá-la em breve naquele canal de cabo esotérico onde se está sempre a ouvir uma voz a dizer: Abra a sua mente!
Face a tanta modernidade, pro-actividade, excelência e rigor nos resultados, três singelas perguntas:
1. Porquê Fátima Lopes para representar Portugal quando, é unânime, a sua roupa é do menos interessante e elaborado que se faz em Portugal?
2. Porquê Fátima Lopes e não Luís Buchinho, um criador com provas dadas, e até agora presença habitual da Semana de Moda parisiense?
3. Enfim, e como diria o capitão Archibald Haddock: bougres de faux jetons à la sauce tartare, porquê a West Coast?!

23/02/08

Oh diabo! Andarão as bolas de Berlim a apodrecer ao Sol? (Clique para obter a resposta) Afinal, isto é uma Pastelaria

(...) Para se ter uma noção objectiva da desproporção entre os riscos que a sociedade enfrenta e o empenho do Estado para os enfrentar, calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas de Berlim, colheres de pau, ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária.

22/02/08

Cansados de Peixotos e de «trapezistas do marketing» vamos a coisas sérias

(...) Estes dentes eram novos e tinham sido feitos para a parte inferior do lado direito da sua boca. Devido ao desfiguramento facial, o dentista andava a ter muitas dificuldades em ajustá-los como devia ser; dois dias antes, apenas, quando andava a passear na rua comigo, o meu pai arrancara-os da boca — «Malditas coisas! Demasiados dentes!» —, mas depois, quando os tinha na mão, não soube o que fazer com eles. Nessa altura íamos a atravessar a North Broad Street e o semáforo estava quase a ficar vermelho para nós. «Dê-mos», disse-lhe, e tirei-lhe a placa e meti-a na algibeira. Para meu próprio espanto, foi extraordinariamente agradável tê-la na mão. Longe de me sentir repugnado ou enojado, enquanto continuava a conduzi-lo, segurando-lhe um braço, para o passeio, divertiu-me a naturalidade daquilo, como se nos tivéssemos tornado oficialmente parceiros de um duo cómico; como se eu tivesse assumido o papel do homem recto em relação a um palhaço cujos dentes postiços mal ajustados quase faziam a casa vir abaixo com gargalhadas (...)».
(...)
«Depois, numa noite, decorridas cerca de seis semanas, por volta das quatro da manhã, ele apareceu numa mortalha branca com capuz para me repreender. Disse: «Devia ter-me sido vestido um fato. Foi errado o que fizeste.» Acordei aos gritos. Tudo quanto espreitava da mortalha era o desagrado do seu rosto morto. E as suas únicas palavras foram uma censura: eu vestira-lhe a roupa errada para a eternidade.
De manhã compreendi que ele estivera a referir-se a este livro que, de conformidade com o indecoro da minha profissão, estive a escrever durante todo o tempo em que ele esteve doente e a morrer. O sonho dizia-me que, se não nos meus livros ou na minha vida, pelo menos nos meus sonhos eu viveria perenemente como o seu filho pequeno, com a consciência de um filho pequeno, assim como ele permaneceria vivo neles não apenas como meu pai, mas como o pai a julgar seja o que for que eu faça.
Não devemos esquecer nada.»
Património, Philip Roth, Dom Quixote, 2008

21/02/08

Os Maias contado às crianças por José Luís Peixoto. Volto, pois, a perguntar: «porque lhes dais tanta dor?!»

O semanário Sol, cujo director ainda há pouco jurava que nunca venderia nada além do seu próprio jornal, acaba de lançar uma edição de clássicos portugueses adaptados às crianças.
Começo por esclarecer que não me move nenhum princípio contra adaptações e resumos (o que seria do A la recherche...). Estranhei, contudo, a adaptação d' Os Maias, e para mais logo a abrir. Mais estranhei a escolha do autor que levaria a cabo a tarefa: José Luís Peixoto. É que entre o crochet deste último e a inteligência de Eça, dava-me para vários cachecóis e ainda me sobrava lã.
Resta a pergunta: porquê Os Maias? Em que é que esta literatura adulta poderá interessar às crianças? Não será um bocado cedo para lhes falar do incesto, mesmo com educação sexual escolar?
Esticando a faixa etária: serão os jovens incapazes de ler Eça no original?
Verdade, verdadinha, o que me preocupa é o seguinte. Primeiro, e sobretudo, que não deixem as crianças em paz; segundo, que ao lerem Eça via Peixoto, acabem todas na idade adulta a elogiar Coelho, O Alquimista.

19/02/08

Tertúlia literária à mesa do jantar ou «porque lhes dais tanta dor?!»

«(...) «Ema: Hoje estivemos a ler outra vez um texto do José Jorge Letria...
«Maria: Não gostas?
«Ema: Granda seca! É sempre ele ou o Torrado.
«Eu (de costas, a temperar a salada): Quem?
«Ema: O António Torrado. A minha professora ADORA o Torrado...
«Carolina: Já leste o Dentes de Rato? [Agustina Bessa-Luís]
«Ema: Não? É giro?
«Maria: Giro?! Eu fiquei traumatizada com esse livro... Odiei, mas odiei mesmo.
«Ema: É sobre quê?
«Carolina: Já nem me lembro... Só me lembro que tive de o ler quando andava no teu ano.
«Maria: Nunca acontece nada...
«Ema: Tu gostas?
«Eu (com uma colher de sopa na boca): hum... hum...
«Maria: Já leste O Rapaz de Bronze?
«Ema: Não.
«Carolina: Eu também gostava desse.
«Ema: De quem é?
«Eu (armada em culta): Da Sophia de Mello Breyner.
«Ema: Ah! Eu gosto muito da Sophia de Mello Breyner! Gostas da Sophia de Mello Breyner?
«Eu: Gosto. Havia por aí mais livros...
«Ema: Eu sei, já li A Menina do Mar... A Floresta... e A Fada Oriana. Gosto muito das histórias dela. Consegue-se mesmo imaginar o que ela escreve tal e qual.
«Eu: Isso deve ter sido a tua professora que te disse...
«Ema: Pois foi, mas foi a do ano passado... A de agora só lê histórias do José Jorge Letria e do Torrado!
«Maria: Então e tu que livro foste apresentar à biblioteca?
«Ema: Uma Série de Desgraças, o I e o II.
«Eu (enquanto sirvo o arroz): Mas não era o Menino Nicolau?
«Ema: Isso era para ter sido no Natal, não te lembras?
«Eu: Ah, sim...
«Carolina: Era para ter sido porquê? Não foi?
«Ema: Não, a minha professora até se riu com a história que eu escolhi...
«Maria: Que história era?
«Ema: Aquela do Menino Nicolau em que o pai lhe diz para ele ser generoso e simpático e não pedir só prendas para ele, e depois o Nicolau pede um automóvel de pedais para o pai e para a mãe porque assim eles emprestavam-lhe o carro e ele entretinha-se a brincar sem os estar sempre a chatear, e um monte de dinheiro para poder oferecer bolos ao Alceste que é muito guloso, e uma data de berlindes para poder jogar com o Joaquim, que gosta muito de jogar ao berlinde...
«Carolina: Isso tem graça.
«Ema: A minha professora também achou graça mas depois disse-me que como era Natal, era melhor eu escolher uma história menos... menos...
«Eu (engasgando-me com o queijo): Pagã?!!!
«Ema: Pagã?! Não. O que é isso?
«Eu (a beber um copo de água): hum... hum...
«Maria: Pagã: como no Império Romano onde havia vários deuses...
«Ema: Ah, já sei. Era capaz de ser divertido... Lembrei-me! Divertida. A professora disse que a história devia ser menos divertida ou assim...

18/02/08

Do homem da camisa às riscas, na foto, se disse: «Cadavers have never been an obstacle to Hashim Thaçi’s career»

Eu não tenho jeito para escrever à Manuel Alegre, mas aqui vai: hoje é um dia vergonhoso para a União Europeia.
Proclamada a independência do Kosovo, os políticos europeus preparam-se mais uma vez para meter o cu entre as pernas reconhecendo o governo de Hashim Thaçi, um ex-admirador de Enver Hoxha responsável pelo grupo mafioso de Drenica e operacional da organização terrorista UÇK (conhecida pelas ligações à Al-Qaeda), criatura a quem os EUA concederam, entretanto, o estatuto de herói, à imagem e semelhança do que fizeram no Afeganistão com os trogloditas dos Talibãs.
— Para ficar a conhecer o homem a quem a UE planeia dar a mão clique AQUI
— Directamente em português, leia-se o jornalista Pedro Caldeira Rodrigues
— Remate-se com o extraordinário romance A ponte sobre o Drina, de Ivo Andrić (Cavalo de Ferro)

17/02/08

É a West Coast portuguesa, com certeza

O túnel da estação do Rossio foi mandado fechar, por razões de segurança, a 22 de Outubro/2004. Com um custo inicial estimado em 49,5 milhões de euros, a obra deveria estar concluída em Agosto/ 2006. Só abriu agora, e custou-nos mais 20%.
Apesar disso, José Sócrates aproveitou para festejar e cortar mais uma fita, após testar a segurança do túnel, com um orgulho, supõe-se, superior ao de Afonso Domingues quando ficou sentado 3 dias em jejum sob a abóboda da Batalha.
O túnel, como a abóboda, aguentou-se, mas não é a engenharia da coisa que me traz. São as palavras de Sócrates.
Segundo ele, a recuperação da estação «combinou tradição com modernidade» e «é uma obra lindíssima».
Ao confrontar os comentários às casas assinadas pelo próprio só me vinha à cabeça o resumo de Vasco Pulido Valente: «Isto o que é? (...) É uma montagem publicitária: polida, vácua, inócua. O herói de plástico, uma invenção. É José Sócrates, o primeiro-ministro.»
E, a propósito de plástico, aproveito eu para lembrar que estando o património a saque e a parolice reciclada no poder, o Mercado do Bolhão do Porto também corre o risco de se transformar num cosmopolita centro comercial embora, claro, mantendo a fachada (o que nada surpreende num país que é, ele próprio, de fachada).
Se acha que vale a pena indignar-se, assine aqui.

15/02/08

Toda a nudez será castigada

Esta Vénus de Lucas Cranach (1472–1553) foi proibida no metro de Londres! Informação recolhida no A Origem das Espécies.
(E descubro que há seis anos já se tinha passado algo semelhante, como se pode ler nesta notícia publicada no Guardian: «Six years ago the National Portrait Gallery, then headed by Charles Saumarez Smith, now chief at the Royal Academy, had to create a special, more modest poster for the underground of a 17th century painting by Lely of the beautiful Countess of Oxford with one breast bared. However, the academy doesn't have a Venus under wraps. "We don't have a version B where she's got her clothes on," a spokeswoman said. "We're just hoping they change their minds and accept her.»)
The Times They Are A-changin, mas não parece que seja para melhor.

14/02/08

Mais um post (roubado) sobre as eleições norte-americanas em relato vertiginoso e ao vivo. A sério, eu ainda me estou a rir

Olá,
Aposto que vocês nunca ouviram falar do Antonio Charfauros. É o presidente do Partido Democrático na ilha de Guam, um território administrado pelos Estados Unidos cujos habitantes não podem votar nas eleições americanas.
Pois o Antonio outro dia perante espanto seu recebeu um telefonema de “um big shot” da campanha da Hilária. E no dia a seguir outro telefonema de um outro “big shot” da dita cuja. E no dia seguinte outro telefonema de outro “big shot”. O Antonio não diz precisamente quem lhe telefonou mas toda a malta sabe que nos últimos dias o Bill e a sua filha Chelsea e outros voluntários da campanha da Hilária têm estado atarefadíssimos agarrados ao telefone a falar com os “super delegados” à convenção do Partido Democrático. Porquê?
Explico: a Hilária, o Bill e a Chelsea fizeram contas à vida e decidiram começar a fazer aquilo que aí os dirigentes da UEtupia fizeram quando foram derrotados nos referendos sobre a constituição da “Europa”: demitir o povo. Os dirigentes europeus reuniram-se entre si mudaram o nome ao documento e depois disseram que já não é preciso referendo porque …. não é constituição. (O Sócrates que vos explique!).
A Hilária e o Bill reuniram-se com os peritos fizeram contas à vida e viram que vai ser muito difícil conseguir o número de delegados suficientes para ela ser nomeada pelo que há que começar a namorar os 794 “super delegados” à convenção. Os tais “super” são os congressistas do partido, governadores estaduais do partido, dirigentes estaduais do partido, antigos presidentes (o Bill por exemplo) antigos vice-presidentes etc. O Partido Democrático chama-lhes “super” e todos os quatro anos paga-lhes uma viagem ao local da convenção para beberem uns copos, ir a umas boas jantaradas e encher o estádio com muita vibração para a televisão ter boas imagens da coroação do seu candidato.
Mas este ano o Obambi estragou a festa a falar de “mudança”, “esperança” e “unidade” pelo que a nomeação do candidato Partido Democrático às eleições presidenciais vai este ano ser feito por métodos … não democráticos. Vão ser os “super” a decidir. O que vai dar uma guerra civil dentro do partido. O que está já a provocar gáudio dentro do Partido Republicano que (vejam lá a ironia!) não tem “super” só “normal”. O que torna para mim a convenção deste ano do Partido Democrático bem atraente embora eu tenha a dizer que os Democratas são uns forretas porque das vezes anteriores não deram nada de borla aos jornalistas. Nem um café! Enquanto os Republicanos da última vez davam cerveja, hambúrgueres e bolos de chocolate. (Os democratas tinham contudo melhores cantores).
(...)
Continua AQUI.
Para ler o relato anterior clique aqui.

13/02/08

Eles republicam, eu republico, mas por ordem de chegada






Vem isto a propósito dos jornais dinamarqueses terem sublinhado hoje a liberdade de expressão, voltando a publicar os cartoons de Maomé. Eu vou atrás e relembro a minha liberdade de pensar, AQUI, aproveitando para reproduzir, desta vez sem vénia, as declarações do ex- Ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, a quem, na altura, coube representar o papel do ecuménico de serviço.


Declaração do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros sobre a publicação dos "cartoons" sobre Maomé

«Portugal lamenta e discorda da publicação de desenhos e/ou caricaturas que ofendem as crenças ou a sensibilidade religiosa dos povos muçulmanos. A liberdade de expressão, como aliás todas as liberdades, tem como principal limite o dever de respeitar as liberdades e direitos dos outros. Entre essas outras liberdades e direitos a respeitar está, manifestamente, a liberdade religiosa – que compreende o direito de ter ou não ter religião e, tendo religião, o direito de ver respeitados os símbolos fundamentais da religião que se professa.
Para os católicos esses símbolos são as figuras de Cristo e da sua Mãe, a Virgem Maria. Para os muçulmanos um dos principais símbolos é a figura do Profeta Maomé. Todos os que professam essas religiões têm direito a que tais símbolos e figuras sejam respeitados. A liberdade sem limites não é liberdade, mas licenciosidade. O que se passou recentemente nesta matéria em alguns países europeus é lamentável porque incita a uma inaceitável “guerra de religiões” – ainda por cima sabendo-se que as três religiões monoteístas (cristã, muçulmana e hebraica) descendem todas do mesmo profeta, Abraão.
Diogo Freitas do Amaral, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros»
Amen!

12/02/08

Queriam música? Levam com engenharia técnica/financeira e já vão com sorte

A jihad cultural
Às vezes olhamos para o óbvio. E esquecemos o que é verdadeiramente importante. Quando o Governo pretende que as escolas de música públicas deixem de oferecer cursos de iniciação nessa área aos miúdos do 1º ciclo, apenas segue militantemente, como numa “jihad”, a sua tarefa de destruir tudo o que é emoção, pensamento e crítica. Porque, convenhamos, esta medida, apresentada bondosamente como “reforma”, segue ideias tão simples de desertificação cultural como sufocar a filosofia no ensino, encaixotar a Faculdade de Letras numa redoma sem respiração, ir fechando literalmente o interior do país. O que o Governo está a fuzilar é o pensamento crítico, a possibilidade de questionar. No fundo a alma crítica de uma nação. Algo que não interessa à sociedade deslavada, tecnológica e de “design” puro que o sr. Sócrates está a tentar impor. À sua imagem e semelhança. Como em “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.
Roubado aqui.
E, já agora, leia e assine aqui a petição contra mais esta genial medida do Ministério da Educação.

11/02/08

Um ano depois do Referendo sobre a Despenalização do Aborto

Foi a 11 de Fevereiro que o SIM ganhou nas urnas. Na altura, a pedido do Expresso, escrevi o texto que se segue e que acabaria por não ser publicado. Andou por aí nos blogues que simpaticamente o deram a ler, a Pastelaria ainda não abrira as portas. Em Agosto passado coloquei-o aqui, a propósito da posição (adversa) do Vaticano sobre o aborto em casos de violação. Repesco-o de novo, assinalando com ele a data da vitória do SIM.

«Um bebé não é um problema metafísico» foi uma frase que encheu as ruas de Paris há cerca de 20 anos, por ocasião de uma campanha em prol da maternidade. Em Portugal, hoje, a discussão diz respeito ao aborto. Paula Teixeira da Cruz, do Movimento Voto Sim, afirmou que «não estamos a discutir nem a vida nem a morte. Recuso-me a discutir o problema nesses termos» (DN, 20-01-2007). A verdade é que muitos insistem em fazê-lo. Não sendo os bebés, definitivamente, um problema metafísico, há questões levantadas pelos opositores do Sim que nos deixam na dúvida sobre se não o serão o zigoto, o embrião e o feto.
Um dos argumentos mais publicitados pelo Não assenta no seguinte raciocínio: (premissa a) o feto é, em potência, um ser humano; (premissa b) todos os seres humanos, mesmo os seres humanos em potência, têm direito à vida; (conclusão) o feto tem direito à vida. Daí se infere que a interrupção voluntária da gravidez (IVG) é atentatória desse direito, logo, um crime, um crime parente próximo do homicídio.
É esta, aliás, a posição oficial da Igreja católica, que classifica o aborto como um dos pecados sujeitos a excomunhão (e isto apesar de algumas vozes discordantes, como a do padre Anselmo Borges, teólogo e professor de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que propõe a distinção entre vida, vida humana e pessoa humana): «A gravidade moral do aborto provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio (...)» (João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 25/03/1995, n. 58); e ainda: «Também a legislação canónica, há pouco renovada, continua nesta linha quando determina que "quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae", isto é, automática» (idem, n. 62).
A não ser, porém, que se faça da vida humana uma leitura religiosa - e essa é uma posição legítima embora, obviamente, impossível de sujeitar a referendo - a argumentação atrás exposta, contrária à IVG, não parece defensável. Porque se o que falta provar é, precisamente, que todos os seres humanos em potência têm direito à vida, não se pode, ao mesmo tempo, afirmá-lo como premissa sem incorrer em falácia. O filósofo Pedro Madeira vai mais longe.
Em «Argumentos sobre o Aborto» (www.criticanarede.com) acrescenta: «(...) é, de qualquer modo, falso que, se um ser tem potencialmente um direito, então tem, efectivamente, esse direito. Enquanto cidadão português, sou potencialmente presidente da República; o presidente da República é o Comandante Supremo das Forças Armadas; no entanto, daí não se segue que eu seja agora o Comandante Supremo das Forças Armadas».
Do lado do Sim, insiste-se nas condições sócio-económicas das mulheres desfavorecidas e na realidade dos números, apesar da lei proibitiva. São razões fracas, que pecam por circularidade. Porque do facto dos cidadãos carenciados terem menos condições para contratar um assassino não resulta que o Estado deva disponibilizar um serviço grátis de gangsteres ao domicílio. Assim como do facto de existirem ladrões, apesar da lei proibitiva, não se infere que o roubo deva ser legalizado.
Note-se que esta contestação aos argumentos do Sim não implica uma equivalência moral dos exemplos. Apenas se pretende mostrar que, nos casos expostos, a sustentabilidade da argumentação é difícil, se não impossível.
Nada disto é novo. O aborto nunca foi um facto pacífico. No Ocidente, durante a Antiguidade, a sua regulamentação, regra geral, apenas tinha em conta os interesses masculinos e, consequentemente, só era punível quando estes eram lesados: «Estigmatizado como sinal de decadência dos costumes ou visto como atentado à ordem familiar e social, o aborto é considerado uma manifestação de inaceitável autonomia feminina» (in História do Aborto, Giulia Galeotti, Edições 70, 2007). Com o cristianismo a impor-se como religião do Estado, o aborto ganhará o estatuto de «crime abominável», um pecado que atenta contra a acção criadora de Deus, destruindo uma criatura que Lhe pertence. Apesar deste princípio geral, a posição sobre o momento em que o feto passa plenamente a pessoa não será unânime. Embora contrário ao aborto, é Santo Agostinho quem avança com a posição mais tolerante, alicerçada na teoria da animação diferida, que faz atrasar o aparecimento da alma em relação ao momento da concepção: «não é homicida quem provoca o aborto antes da infusão da alma no corpo», sugerindo-se que esta surge nos rapazes aos 40 dias e nas raparigas aos 80. A polémica atravessará séculos: em 1558, o Papa Sisto V publica a bula Effraenatam, que condena à excomunhão todos os que provocarem o aborto, sem fazer distinção entre feto animado ou não animado. Em 1591, Gregório XIV retoma a posição agostiniana. Em 1679, Inocêncio XI vem reafirmar que o nascituro é pessoa desde o momento da concepção… Como se vê, a discussão sobre o estatuto do zigoto, do embrião e do feto (embora sob outros nomes) é coisa antiga.
A ciência acabaria por ser chamada à colação, na medida exacta em que se interessa cada vez mais pelos segredos da vida intra-uterina. Quando, em 1762, Charles Bonnet propõe, em defesa do preformismo, que qualquer organismo já contém em si os futuros seres pré-formados a que dará origem, o naturalista suíço crê estar, não só a contribuir para o avanço da ciência como a confirmar a Génese bíblica. De acordo com o preformismo, desde o momento da concepção, ou o espermatozóide transporta em si um «homunculus», (animaculismo), ou este já está contido no óvulo (ovismo).
A polémica entre preformismo e epigénese - hipótese proposta em 1759 pelo embriologista alemão Kaspar Friedrich Wolff, que, ao invés de Bonnet, defendia que as novas estruturas se iam formando progressivamente - foi um dos debates intelectuais mais acesos do século XVIII, só resolvido com a teoria celular, já no século seguinte.
Para todos os efeitos, é interessante sublinhar que, então como agora, as posições contrárias ao aborto, mesmo quando assentes em princípios religiosos mais ou menos assumidos, nunca deixaram de tentar credibilizar-se através da ciência. Vejam-se, por exemplo, as declarações actuais de Nuno Vieira, da Plataforma Não Obrigada, um dos muitos portugueses católicos que responderam à chamada do bispo de Leiria para ir a Fátima «celebrar a vida», esclarecendo que o movimento a que pertence está empenhado em dotar a sua campanha de «dados científicos», procurando utilizar uma «linguagem moderada e esclarecedora».
Se a religião sempre se pronunciou sobre o aborto, e também a ciência viria a intervir no debate, caberá ao Estado e ao Direito legislar sobre o tema. Aquilo a que alguns autores, nomeadamente Elisabeth Badinter, chamaram «a invenção da maternidade», ideia romântica que começa a propagar-se em finais do século XVIII e que desenha uma mulher plenamente realizada no seu papel de mãe, toda ela bondade e sentimentalismo, cruzar-se-á com os desígnios do poder político, que, pela primeira vez, irá defender o feto, agora não por motivos de fé mas por razões de Estado.
A demografia torna-se ideologia (então, como hoje, era necessário fazer aumentar a natalidade), a maternidade é explicitamente regulamentada e o aborto voluntário declarado contrário ao patriotismo nascente. Em 1810, o artigo 317 do Código Penal francês é claro: «Quem provocar aborto de uma mulher grávida com ou sem o seu consentimento (...) é punido com prisão». Em Portugal, o Código Penal de 1886 considera o aborto ilícito em todas as situações e, já no século XX, a tendência mantém-se, embora o Projecto da Parte Especial do Código Penal de 1966, do Prof. Eduardo Correia, previsse, como excepção, o aborto terapêutico (acrescente-se, a título de curiosidade, que a tese apresentada por Álvaro Cunhal em 1940 para o exame de 5º ano da Faculdade de Letras de Lisboa versava o tema: O Aborto - Causas e Soluções, Campo das Letras,1997).
O que se verifica, portanto, é que após séculos a tecer, como Penélope, no recato das casas, as mulheres e, consequentemente, a maternidade, ganham uma exposição cada vez maior no espaço público, com todas as consequências daí decorrentes.
A grande alteração ao estado das coisas - tendencialmente repressivo da IVG (em França, por exemplo, em 1942, o aborto é considerado «crime contra o Estado» e sujeito à pena capital - ficará tristemente célebre o caso de Marie-Louise Giraud, guilhotinada a 9 de Junho de 1943 por práticas abortivas) - dar-se-á com a introdução, na década de 70, do argumento que pugna pelo «direito das mulheres ao seu próprio corpo». E, embora hoje em dia, este pareça ser um argumento em desvantagem na discussão, a sua consistente defesa pela filósofa Judith Jarvis Thomson em 1971 continua a ser uma referência inultrapassável (ver A Ética do Aborto, organização e tradução de Pedro Galvão, Dinalivro, 2005).
A grande viragem (mesmo se, já desde 1967, a legislação britânica fosse bastante tolerante na matéria) ocorre em 1970, quando, nos Estados Unidos, o Supremo Tribunal, no caso Roe versus Wade, decide a favor de a mulher poder escolher interromper a gravidez.
Segundo Ronald Dworkin, especialista em filosofia do Direito, o que estava então em causa não dizia respeito «ao problema metafísico da pessoa do feto ou teológico da sua alma, mas sim ao problema jurídico de o feto ser ou não ser uma pessoa do ponto de vista constitucional» (in História do Aborto). E se Jane Roe dá hoje voz aos chamados movimentos Pró-vida, a decisão continua a fazer lei, apesar da insistência de George W. Bush em atribuir personalidade jurídica ao feto.
As palavras de Ronald Dworkin poderão, eventualmente, agradar a Paula Teixeira da Cruz. Afinal, colocar a questão do aborto em termos absolutos de vida ou de morte, não parece estar a levar a lugar nenhum, apresentando-se a própria comunidade científica dividida quanto ao assunto. Sendo, contudo, irrecusável, que no debate sobre a IVG, seja ela encarada sob o prisma do Direito ou da Saúde Pública, se introduz um irrecusável problema moral, dificilmente a discussão ética poderá ser varrida para debaixo de tapete.
O caso ocorrida na Irlanda ocorrido em 1992, que envolveu uma adolescente grávida que ameaçou suicidar-se se não lhe fosse permitido interromper a gravidez, talvez seja exemplo suficiente para percebermos os limites do que está em causa. Sendo a Irlanda, juntamente com Portugal, Polónia e Malta, dos países europeus com legislação mais repressiva na matéria, o Supremo Tribunal irlandês levantaria a interdição da jovem se deslocar ao estrangeiro, e esta pôde abortar em Inglaterra.
Ora isto, independentemente da posição de cada um sobre a moralidade do aborto, deixa-nos perante a questão mais radical de todas: como obrigar uma mulher grávida que não quer ser mãe a sê-lo? O que nos conduz a uma segunda pergunta: até onde pode o Estado interferir nas decisões individuais dos seus cidadãos? É que, independentemente de concordarmos ou não com o argumento do «direito ao corpo», independentemente de aceitarmos ou não a existência de um conflito de interesses entre o estatuto da mulher e do feto, e, até independentemente de nos colocarmos de um lado ou de outro, o que é inegável é que a Natureza atribuiu à mulher o poder da maternidade. Enquanto assim for, não há legislação que possa mudar esse facto.

10/02/08

«O que há em mim é sobretudo cansaço»

Há alturas em que a poesia nos fala mesmo ao coração: «Go, go, go, said the bird: human kind/ Cannot bear very much reality». Tal e qual. Fora isso, tudo bem, como diria o Senhor Comentador ou se escreveu em tempos no meu blogue preferido: Parecemos lobos em deserto puro. Mas não muito! Fugimos à nova noite negra política que se instalou definitivamente entre nós. Não temos nada a dizer, não temos nada a contar. Não adormecemos ainda mas também não vemos o sol. Estamos cansados de estar cansados.
Eu tão cansada me sinto que seria o caso de me despedir já, se patrão tivesse, fazendo minhas as palavras de Gregório Rocha Novo, membro da direcção da CIP: «Um trabalhador que esteja cansado física ou psicologicamente – porque está mais velho, porque tem problemas familiares, porque trabalhar naquela empresa não era exactamente o que pretendia ou porque se desinteressou do trabalho – deve poder ser despedido por justa causa».
Diminuto será o consolo, mas desmolarizada não estou só. Comigo, os ministros da economia do Clube dos milionários, familiarmente conhecidos por G7, que também eles vêm a coisa preta, suponho que apenas para contrariar o optimismo crónico do nosso Manuel Pinho que já em 2006 se dignara partilhar connosco o tão bem guardado Segredo: «foco claro, acção e ausência de medo».
Convindo que este vocabulário new age se coaduna a 100% com o homem que nos presenteou com o ALLgarve e a West Coast, e apesar dele nos enternecer quase tanto como Chance/Peter Sellers na sua sabedoria infinita: «First comes spring and summer, but then we have fall and winter. And then we get spring and summer again», não nos deixemos sucumbir ao sentimento.
O mesmo sentimento que nos faria compreender as razões de José Miguel Júdice se, como o ilustre advogado, nos pudessemos permitir pagar 500 euros por eleven assoalhadas nem que fosse no Cacém. Não podemos. Como também dificilmente podemos entender a febre dos hospitais de charme, quando por todo o lado se escreve que a saúde está pela hora da morte.
Bastar-me-ia apenas, julgo eu, para sair deste cansaço lusitano, uma pitada de pragmatismo à la norte-americaine: «Quando eles ganham, nós ganhamos». Em vez de um bom argumento, saiu-nos o TGV, um aeroporto em Alcochete e uma ponte em parte incerta. Fora as casas do Engenheiro, o Programa de Oportunidades, os incentivos tecnológicos, as excepções aos coentros, o Tratado de Lisboa e o Museu do Joe Berardo.

De que me queixo? Ora, de nada. Aparte o facto de, entre nós, a repartição da riqueza ser a mais desigual da UE, a qualidade do ensino ser uma calamidade pública e eu própria não estar nos melhores dias, pois fora isso, tudo bem, como diria o Senhor Comentador.

09/02/08

Não, não dançarás!




Sessão de baile no Grémio Lisbonense, antes da instituição ter sido despejada à cacetada, o seu mérito reconhecido pela Câmara Municipal de Lisboa.

Mas se a casa de Almeida Garrett em Lisboa foi à vida, e a sede da PIDE vai ser um condomínio de luxo, porque raio haveria o pobre Grémio de se manter no Rossio? Para mais, bailes ― é sabido, pelo menos desde que Marlon Brando baixou as calças em O Último Tango em Paris ― são coisas obsoletas, indignas da West Coast, a não ser que devidamente enquadrados, aprovados e divulgados pelo Ministério do Turismo e Propaganda. E viva o progresso!

Aposto que vai nascer aqui um hotel de *****, digno de uma cidade West Coast. Quanto ao Grémio, que se pire para Vilar de Maçada, Alijó ou Reboleira

07/02/08

A Patos-Bravos West Coast, Sócrates e Jorge de Sena: «O problema não é salvar Portugal, é salvarmo-nos de Portugal»

«Para além de todos os outros aspectos, alguns até eventualmente controversos em termos factuais, há um facto indesmentível na sequência dos dados que o “Público” noticiou: o Eng. Técnico José Sócrates Pinto de Sousa assumiu a autoria destes projectos. E isso é em si mesmo um facto estético e cultural medonho, um facto político também.
O homem que reclama a asssinatura destes projectos foi
depois, nomeadamente, Secretário de Estado do Ambiente e Ministro do Ambiente com a tutela do ordenamento do território – do ordenamento do território, sublinhe-se bem. É agora Primeiro-Ministro de um governo que no seu arsenal propagandístico inclui o novo-riquismo da mais recente colecção fotográfica encomendada pelo ministro Manuel Pinho,
esse exemplo de parolice consumada que é a campanha “Europe’s West Coast”.
Pois, será a “west coast”, mas no “inland”, no interior, como afinal no caos urbanístico de tantas autarquias, não faltam exemplos à revelia dos mais elementares padrões estéticos, arquitectónicos e de qualidade de vida, exemplos como estes de autoria assumida por José Sócrates (...)».
Roubado, com a devida vénia ao Augusto M. Seabra,
AQUI, e recordando o que escrevi aqui e aqui.

06/02/08

Será Deus uma ideia assim tão benéfica para o homem?


«Observe-se uma formiga num prado, trepando laboriosamente a uma folha de erva, cada vez mais alto, até cair; volta a trepar e, mais uma vez, qual Sísifo a rolar a sua pedra, tenta chegar ao cimo. Porque é que a formiga age desta forma? Que benefício busca para si própria com esta actividade árdua e improvável? Trata-se da pergunta errada, afinal. Não resulta daí nenhum benefício biológico para a formiga. Ela não está a tentar obter uma melhor visão do território, à procura de alimento ou a pavonear-se perante um par potencial. O seu cérebro foi ocupado por um minúsculo parasita, um verme (Dicrocelium dendriticum) que necessita de ter acesso ao interior do estômago de um carneiro ou de uma vaca para completar o seu ciclo reprodutivo. Este pequeno verme cerebral está a tentar posicionar a formiga para beneficiar a sua descendência, não a da formiga. Existem parasitas similarmente manipuladores que infectam peixes e ratos, entre outras espécies. Estes parasitas levam os seus hóspedes a comportar-se de formas improváveis - até mesmo suicídas - para benefício do hóspede, não do hospedeiro. Será que algo semelhente acontece com os seres humanos? Na verdade, sim (...)»

O resto em Quebrar o Feitiço, A Religião como Fenómeno Natural, Daniel C. Dennett, Esfera do Caos, 2008

04/02/08

Isto foi o que eu vi em Auschwitz-Birkenau

«Faz muito frio em Auschwitz», disse a mulher israelita. 
Encontro-a na estação de caminhos-de-ferro de Cracóvia. Aproxima-se e pergunta-me em inglês se posso ajudá-la. 
«Também sou estrangeira», respondo, e ela afasta-se e avança na fila longa que aguarda junto ao guichet de informações.
Ouço-a insistir mais adiante: «Desculpe, pode dizer-me onde fica o Hotel Chopin?». 
É o meu hotel. Acabamos por partilhar um táxi – eu, ela e o marido – e nessa noite fico a saber que são ambos filhos de judeus polacos que sobreviveram fugindo para a zona de ocupação russa. Quase toda a família que ficara na parte anexada pela Alemanha em 1939 morrera no campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau. A «solução» foi quase total: dos cerca de 3 milhões de judeus que viviam na Polónia antes da guerra, restavam 100 mil em 1945. 
A caminho do Campo, o guia polaco vai calado junto ao condutor. Antes da partida fez questão de contar uma piada que adivinho da praxe, recolhidos nos vários hotéis os participantes do tour: «Este autocarro dirige-se a Auschwitz-Birkenau. Aos passageiros que quiserem descer é dada agora uma última oportunidade». Seguem-se alguns risos de circunstância. 
A viagem é monótona. Árvores, árvores e mais árvores. Todas despidas. Aldeias praticamente desertas. Uma película viscosa, cinzenta e triste, cobre o céu e a paisagem. Chove. 
Estamos na estrada há cerca de uma hora. À vista de um entroncamento ferroviário adensa-se o silêncio que só é interrompido pelo ronronar do motor. Todos parecem aguardar o pior. Mas ainda falta. 
O guia informa agora que chegaremos dentro de pouco mais de 15 minutos e que a agência responsável pelo tour oferece um desconto de 20% no caso de uma segunda visita. No regresso, explicará que também organizam idas às minas de sal de Wielicka e às montanhas Tatra, tudo muito perto de Cracóvia e a preços acessíveis: «Podem consultar os folhetos.» 
Durante o trajecto, florestas densas alternam com planícies cultivadas. Unido a Birkenau, ao fundo, depois da cerca de arame farpado, hei-de avistar um outro campo igual, de terra arada e duas casas. Todos os dias os habitantes das casas olham a cerca. Provavelmente, não a vêem. Está ali há mais de 60 anos. Uma coisa com mais de 60 anos, se se mantiver imóvel e inalterável passa a ser invisível. A física não explica isto mas é assim.
«Leve um casaco, faz muito frio em Auschwitz», diz a mulher israelita. 
No dia seguinte será pior. Volto de comboio e chego a Birkenau muito cedo. O local está praticamente deserto e ouve-se o barulho dos cortadores de erva. Do topo da torre de vigia principal, à entrada, avista-se a simetria desmesurada do campo de extermínio. Quase nada resta, mas ainda assim faz medo. 
«Queria ir a Auschwitz», confesso em tom sumido ao recepcionista do hotel. Chego a meio da tarde e percorro as ruas de Cracóvia e confirmo que se trata de uma cidade belíssima. 
O pudor não me deixara ainda pronunciar a palavra. Quero saber como chegar de comboio a Auschwitz. 
«De comboio?!», e num golpe de mágica o recepcionista faz saltar sobre o balcão um folheto de excursões organizadas. «We have a very good tour to Auschwitz. Sai daqui às 9 horas, por volta das três e meia está de volta». Mostra-me o programa e, porque insisto no comboio, a contragosto consegue-me os horários. 
Já no quarto, telefono a informar que afinal mudei de ideias; se me pode incluir na lista do dia seguinte: «Nesse caso, terá de vir à recepção pagar o bilhete agora». Passa da meia-noite e a conversa com o recepcionista arruma-me com o pudor. Apetece-me perguntar-lhe se o tour tem almoço com bebidas incluído.

Durante os anos de 1940-45, o número de vítimas do campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau é calculado entre 1.100.000 e 1.500.000 pessoas, 90% das quais de origem judaica, a maior parte morta imediatamente à chegada, nas câmaras de gás. 
A plataforma de desembarque, onde os médicos SS seleccionavam os «aptos» e os «inaptos» (selecção a que eram sujeitos exclusivamente os judeus), ficava em Birkenau. 
Os carris continuam lá. Quando, no dia seguinte à visita organizada, acabo por ir mesmo sozinha de comboio, dirijo-me directamente a Birkenau (conhecido como Auschwitz II). À saída, pergunto em que direcção fica Auschwitz (I). Os restos dos carris, passados 60 anos da libertação do campo, desaparecem da estrada entre veredas bucolicamente cobertas de plantas e flores silvestres e não servem de referência. Explicam-me que terei de descer até uma pequena ponte e virar à esquerda. São cerca de quatro quilómetros que farei sob uma chuva intermitente e fria e que me levam a Oswiecim, o nome polaco da localidade a que os alemães chamaram Auschwitz. À época do nazismo, o percurso era inverso e de sentido único: vinha-se para Birkenau para morrer. 
O portão onde se inscreve a frase «Arbeit macht frei», milhões de vezes fotografado, torna-se insignificante quando comparado com o amplo parque de estacionamento junto à estrada, transbordando de camionetas, táxis e ruidosos grupos de visitantes de cujo roteiro turístico faz parte um desvio pelo local. 
O tour do primeiro dia, embora rápido, incluíra os marcos mais terríveis do campo, desde o temível Bloco XI, com o seu muro de fuzilamento e as celas de tortura, ao crematório I, inaugurado por um grupo de prisioneiros soviéticos, cobaias do Zyklon B, o gás com que os nazis levariam a cabo a «Solução Final». 
No Bloco IV expõem-se os despojos dos mortos. Aquando da Libertação, as tropas soviéticas encontraram pilhas de roupa, loiça, sapatos, malas (onde os proprietários escreveram os nomes, estratégia de engano que convencia os recém-chegados de que as poderiam recolher mais tarde), óculos, próteses, fotografias de família anónimas cujos retratados nunca mais se haveriam de rever… 
Numa vitrina amontoam-se latas usadas do mortífero Zyklon B, noutra tranças e restos de cabelo humano amarelecidos pelo tempo – uma pequena amostra das sete toneladas que os SS deixaram para trás e que deveriam ser exportadas para a Alemanha onde se transformariam em mantas, recheio para travesseiros, forros de casacos, edredões...
Saio para o ar livre. Eu e uma americana de idade avançada. Cá fora, prestes a acender um cigarro, somos interpeladas por uma religiosa que passa e nos lembra, sorriso rasgado, que «is not allowed to smoke in Auschwitz». Mudas e cúmplices, aspiramos o fumo bem até às entranhas. [A velha americana há-de mais tarde assustar-me (eu distraída) ao repetir-me à orelha, voz cava e grossa: «is not allowed to smoke in Auschwitz». Rimo-nos alto.] 
Não é esta a única freira com que me cruzo. Há muitas por aqui. E num terreno contíguo, o do edifício onde as carmelitas se instalaram em 1894, ergue-se uma cruz alta de seis metros, a que resta da acesa polémica que rodeou a colocação de mais de uma centena de cruzes em Auschwitz, em 1982. 
Na altura, o anti-semitismo renasceu nas palavras do líder da chamada Associação das Vítimas da Guerra, Mieczyslaw Janosz, um ex-polícia corrupto que se opôs vigorosamente à remoção dos crucifixos. Os símbolos cristãos foram retirados (excepto o referido), e as carmelitas partiram. Para um olhar atento, a tentativa de cristianização do local não passa despercebida. 
São cinco da tarde e os sinos tocam a rebate. Embora a hora de fecho seja às seis, um grupo de japoneses toma os sinos pelo sinal de encerramento e começa a dirigir-se apressadamente para a saída. Outros visitantes põem-se a correr na direcção do som, tentando perceber o que se passa. 
«Why-the-bells-are-ringing?», insisto pela terceira ou quarta vez junto de uma funcionária que simula não me perceber. Finalmente consigo que me expliquem, a contragosto, que o som vem de uma igreja próxima. Fazem questão de sublinhar, «fora do recinto do museu». 
A polémica sobre a cristianização de Auschwitz não é de agora. A canonização de Maximilian Kolbe (1982) e Edith Stein (1998) pelo Papa João Paulo II já tinha provocado reparos da comunidade judaica internacional. O primeiro, um padre franciscano que trocou a sua vida em Auschwitz pela de um outro condenado polaco (Franciszek Gajowniczek), fora responsável por uma importante publicação católica em cujas páginas se liam artigos anti-semitas; Edith Stein, filósofa alemã convertida ao cristianismo nos anos 20, tornar-se-ia freira carmelita e acabaria gaseada em Auschwitz juntamente com a irmã, embora, naturalmente, não por ser freira católica mas por ser judia. 
Nas palavras do rabino Leon Klenicki, um homem que se tem debruçado sobre o relacionamento actual entre as duas religiões, «prestar homenagem ao sofrimento cristão só é aceitável se isso não servir para negar a realidade de que o Holocausto foi essencialmente um programa de extermínio do povo judeu». Ou, como afirmou de modo definitivo o escritor e sobrevivente espanhol Jorge Semprún, e para acabar de vez com a ignóbil contabilidade dos cadáveres: «Existe, com efeito, uma confusão antiga, amiúde fruto da ignorância, ou talvez de um pensamento equívoco ou malévolo, entre a deportação de inimigos do nazismo – alemães anti-hitlerianos, resistentes europeus – e o extermínio de judeus e ciganos. Os primeiros foram detidos e deportados pelos seus actos, quaisquer que fossem as suas origens sociais ou a sua religião. Os segundos são exterminados por serem o que são, mesmo que nunca tenham cometido um acto ou um mero gesto de oposição ao regime. A diferença, mesmo que o número de mortos resistentes fosse comparável ao dos judeus exterminados – e não o é, de forma alguma –, não é uma diferença quantitativa: é ontológica.» Também por isto é difícil aceitar que em Auschwitz, onde o extermínio dos judeus atingiu o paroxismo, os únicos nomes referidos durante a excursão guiada do primeiro dia sejam os do padre Kolbe, Edith Stein e Stefan Jasienski (um prisioneiro da cela 21 do Bloco 11 que se supõe ser o autor do crucifixo e do Cristo gravados na parede que, vivamente, nos recomendam que olhemos). Como também se considera excessivo que no curto filme que se mostra aos visitantes se inclua uma missa católica e se perca a conta às religiosas cristãs e às cruzes. 
«Ninguém vai a Treblinka», resume o jovem inglês que encontro na estação de Oswiecim, onde somos os únicos a aguardar o comboio de regresso a Cracóvia. Quanto a Auschwitz, o comentário é lacónico: «Too much noise.» De facto, há demasiado barulho por aqui.
Não em Birkenau, onde menos sobem e cuja desmesura assusta, a maior parte dos visitantes limitando-se às poucas barracas que sobram à entrada e a espreitar o campo do alto da torre de vigia. Desolação podia ser a palavra que define este campo de morte, onde os blocos são nauseabundos e as ruínas dos crematórios se escondem ao longe, por entre árvores e erva fresca. Uma terra aparentemente igual a qualquer outra, mas regada a cinzas. 
É aí, junto ao Crematório II, não longe do local da revolta do Sonderkommando, que avisto cabriolando por entre arbustos uma jovem corça, indiferente aos delírios dos homens e à maldição do lugar. A esta também parece indiferente, embora sem o álibi da inocência, a nova-iorquina saída directamente de um filme de Woody Allen que clama a plenos pulmões não se conformar com o facto de não ter encontrado a escultura – «God! Uma madona belíssima!» – que uma amiga tinha feito «expressamente para oferecer aos judeus». 
Os fotógrafos amadores invadem Auschwitz, procurando enquadramentos perfeitos junto às cercas de arame farpado para o recuerdo de grupo. Há gente que passa apressada, turistas do horror que acrescentam a visita do campo ao currículo. E depois há os outros. Os que escondem as lágrimas sob óculos de sol em dia de chuva. Os que entram e saem sem dizer palavra. Ou os sobreviventes. 
Eu vi-o em Auschwitz, velho e magro, o corpo apoiado numa bengala. Adivinhei-lhe a origem pela forma como andava por ali, alguém que regressa a uma casa em ruínas à qual reconhece os cantos. Voltei a encontrá-lo por acaso em Kazimierz, o bairro judaico de Cracóvia, quando procurava a sinagoga Izaak, uma das oito sinagogas que voltaram entretanto a abrir as portas. 
Ele disse: «Aqui era um bairro judeu». 
Eu disse: «Vi-o ontem em Auschwitz». 
Ele disse: «É possível. Uma irmã minha morreu lá em 19..., outra em 19...». Esqueci os nomes e as datas. O olhar dele era tranquilo. A voz amável. O número estava gravado no pulso e eu não consegui dizer mais nada. Fugi por vergonha de sentir uma dor que não me pertencia. Talvez o mesmo tenha se tenha passado com Patrícia, do Porto, Portugal, que deixou escrito no livro de visitas do Pavilhão da Checoslováquia, em Auschwitz: «9 de Maio de 2005. Infelizmente, este local existe. Mas, já que existe, espero que muita gente o visite para que jamais se repita.» E acabava com a candura de que só um jovem poderia ser capaz: «Beijinhos e desculpem».

02/02/08

Gosto particularmente da 8 e do relvado da 12, mas, pronto, gostos não se discutem

Palavras para quê? É uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa!
Para apreciar devidamente os projectos do Engenheiro clique AQUI.
E não venham cá com a conversa da perseguição política. Isto ― estas construções miseráveis, estes crimes contra a paisagem e o património, esta "fátua ignorância" desgraçada― rivaliza com a chamada para o INEM. Com ou sem Ortega y Gasset. Com ou sem assistência à obra.

01/02/08

A lógica do tubérculo no dia do regicídio

Macacos me mordam se eu entendo a lógica disto:
Diogo Dantas: Porque é que a grande maioria dos monárquicos portugueses têm dificuldade em serem unidos, organizados e participantes na sociedade?
Sua Alveza Real o Senhor Dom Duarte: Principalmente porque o nosso sistema escolar descurou gravemente o ensino do raciocínio lógico.

As eleições norte-americanas em relato vertiginoso, directo e ao vivo! E ainda resta saber quem marca golo.

Olá! Agora que o Ted Kennedy — o velho leão do Senado — decidiu transformar o Obambi em Obamelot é talvez importante explicar-vos que isso aconteceu porque os dirigentes tradicionais do Partido Democrático estavam a ficar um pouco lixados com as clintonices dos Clintons.
Por exemplo, o senador Patrick Leahy, um dos baluartes dos Democratas no Senado acusou os Clintons de “usarem truques baratos abaixo da dignidade de um antigo presidente”. O Senador John Kerry (que perdeu as últimas eleições para o Bush) acusou os Clintons de quererem “roubar as eleições com mentiras e distorções”. O proeminente Democrata Ed Schultz acusou os Clintons de “mentirem deliberadamente sobre Obama” e de serem “uma vergonha” para o Partido Democrático. O antigo dirigente dos democratas no senado Tom Daschle acusou os Clintons de “distorções descaradas” e o Bill de actuar “de forma não presidencial” enquanto o comentarista democrata William Geider acusou os Clintons de “jogarem sujo como é seu costume quando se sentem ameaçados”.
O palhaço do reverendo Al Sharpton que ganha a vida a descobrir actos de racistas brancos (quase sempre inventados) foi mais directo: “cala a boca Bill!” disse ele numa estação de televisão embora eu tenha a dizer que mais Sharpton do que isso foi o Andrew Young (também reverendo) que apoia os Clintons e que disse que o Bill “é mais preto do que o Obama porque teve mais pretas que o Obama”! Verdade verdadinha.
O resto AQUI.
Nota: Continuo em fase cleptómana.